O Irã no Tabuleiro Geopolítico: Poder Nuclear, Conflito Regional e Grandes Potências
Yasmin Freitas Taia
O programa nuclear iraniano constitui um dos pontos mais sensíveis da agenda internacional contemporânea, marcado pela tensão entre os compromissos assumidos em tratados multilaterais e a desconfiança de atores ocidentais quanto às reais intenções de Teerã. Desde o estabelecimento do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) em 2015, buscou-se criar mecanismos de fiscalização e transparência capazes de garantir o caráter pacífico da política nuclear iraniana. No entanto, relatórios recentes, publicados em 2025, da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) evidenciam o aumento do enriquecimento de urânio e a ausência de informações sobre certas instalações, o que reavivou preocupações de segurança e levou à reimposição de sanções internacionais.
Tal cenário insere-se em uma conjuntura de crescente instabilidade no Oriente Médio, em que o programa nuclear do Irã se articula com dinâmicas de segurança regional, rivalidades históricas e disputas de poder entre grandes potências. Embora o debate sobre armas nucleares tenha ressurgido nos últimos anos, sua origem recorre ao final da Segunda Guerra Mundial, — marco histórico que evidenciou as terríveis consequências de seu uso. No entanto, a escalada de confrontos diretos com Israel, a participação ativa dos Estados Unidos e o fortalecimento da cooperação do Irã com Rússia e China indicam que a questão nuclear permanece como instrumento coercitivo, político e estratégico. Assim, compreender as implicações desse processo é fundamental para analisar a atual correlação de forças no sistema internacional.
O Programa Nuclear Iraniano
Desde 2015, as sanções ao Irã haviam sido suspensas com a criação do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), em troca da garantia que o programa nuclear do Irã seria de natureza pacífica (Conselho Europeu). Além desse acordo, o Irã é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que estabelece diversas obrigações aos Estados signatários com o objetivo de não disseminar as armas nucleares. A exemplo dessas medidas, está a não transferência, fabricação e aquisição de armas nucleares ou outros explosivos nucleares. Ademais, estabelece a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), como órgão que fiscaliza o cumprimento das medidas impostas pelo TNP (Brasil, 2025). Nesse sentido, a presença da AIEA foi essencial para definir os próximos passos do Irã, visto que realizou visitas e produziu relatórios sobre a situação nuclear do país, causando preocupação internacional.
O relatório da AIEA, publicado em maio de 2025, aponta o Irã como único país não nuclear do TNP — são definidos como aqueles que não testaram ou explodiram arma nuclear antes de 1967 —, que enriquece Urânio a níveis altíssimos próximos a 60%. Porém, ainda é um nível alarmante, mesmo que o TNP não estabeleça uma porcentagem limite, por se aproximar do enriquecimento de 90% que é utilizado na construção de armas nucleares (Léon, 2025). Por outro lado, há descumprimento dos acordos quando o Irã não promove informações sobre as suas capacidades nucleares reais e muitos locais de desenvolvimento nuclear não foram declarados, como o Lavitan-Shian, Marivan, Varamin e Turquzabad (IAEA, 2025). Logo, este relatório deu base para as ações seguintes de ataque ao país.
O discurso de luta por uma mudança política e da ameaça nuclear iraniana foi utilizado por Israel em 13 de junho para atacar instalações do país, principalmente nucleares, e assassinar pessoas estratégicas ao governo, como cientistas nucleares e comandantes militares (Doucet, 2025). Em contrapartida, o Irã lançou diversos mísseis e drones em Israel. Não obstante, os Estados Unidos decidiu tomar partido de Netanyahu e atacou três instalações iranianas e recebeu ameaças de ter suas bases militares no Oriente Médio atacadas (Léon, 2025). De fato, o Irã cumpriu o seu discurso e lançou mísseis contra a base dos Estados Unidos no Catar, chamada Al Udeid, e logo em seguida foi ratificado um cessar-fogo desse conflito (G1, 2025).
Após o conflito discutido, houve uma reunião entre Grã-Bretanha, França e Alemanha, que definiram que o Irã receberia um ultimato para apresentar que o seu programa nuclear não representava um risco à segurança internacional (O Globo, 2025). Nesse período, foram realizadas diversas reuniões, discussões e apresentações de propostas pelo Irã, com a defesa argumentando que seria vítima das manipulações do Ocidente, em especial pelos Estados Unidos (O Globo, 2025). Portanto, no final de setembro foram restabelecidas as sanções da Organização das Nações Unidas ao Irã, com a acusação de que estaria desrespeitando os compromissos do acordo nuclear JCPOA de não construir bombas nucleares (CNN, 2025). Apesar dos argumentos do Irã de que as suas usinas nucleares seriam apenas para fins civis e energéticos, na prática ainda causa desconfiança no âmbito da segurança.
A partir das negociações realizadas entre Irã e Rússia, foi ratificado um acordo de US$25 bilhões no mesmo dia da decisão da aplicação das sanções pela ONU (The Moscow Times, 2025). Com a parceria entre a empresa iraniana Hormoz e a russa Rosatom, serão construídos quatro novos reatores no território iraniano, na cidade de Sirik (The Moscow Times, 2025). Segundo o Islamic Republic News Agency (IRNA), a capacidade de cada uma das usinas será de aproximadamente 1,255 MW de eletricidade, resultando em um total de 5,20 MW (Shafaq News, 2025). Logo, o Irã será um adversário do Ocidente mais fortalecido, com o apoio da Rússia e das capacidades econômicas que as novas usinas irão proporcionar.
Segurança e defesa do Irã
Um dos mecanismos de poder utilizado pelo Irã é o chamado “Axis of Resistance” (AOR), em que grupos armados são financiados e apoiam ações militares alinhadas aos interesses do país. Segundo a Ministra de Defesa Israelense Naftali Bennet, o Eixo da Resistência seria como um polvo, em que o Irã controla os segmentos sem se colocar diretamente no conflito. Nesse sentido, a cooperação do AOR com o Irã é muito estratégica, pois equilibra os interesses de cada grupo junto ao desejo iraniano de ter um maior controle regional (Day, 2025).
Em segundo lugar, o próprio programa nuclear do Irã é uma fonte de projeção de poder, visto que os países sentem-se ameaçados e limitam os seus ataques frente à possibilidade de uma retaliação. No entanto, os países do Ocidente promoveram o retorno das sanções econômicas ao Irã como forma coercitiva de limitar a expansão nuclear. Infelizmente, para as potências que apoiaram Israel no conflito e as decisões de sanção, o Irã possui apoio tanto de grupos regionais, do AOR, como de potências como Rússia e China (Day, 2025). Logo, podemos analisar que os conflitos ligados ao Irã estão diretamente ligados à disputa das grandes potências.
Por último, a utilização da narrativa iraniana como forma de se colocar como vítima das grandes potências e dos organismos internacionais é muito eficiente, principalmente diante da recente crise do multilateralismo (Day, 2025). Nesse sentido, a diferença de tratamento da ONU com Israel e o Irã é muito perceptível, visto que ambos desacatam o direito internacional, mas apenas um deles recebe retaliação e pressão internacional. Ao realizar a comparação dos dois países nos últimos anos, é facilmente identificado a desproporcionalidade dos crimes, em que o Irã — que era o principal vilão do Oriente Médio — se tornou uma vítima do então presidente Netanyahu e seu apoiador Trump.
Crise do Multilateralismo
A crise do multilateralismo evidencia-se pela incapacidade das organizações internacionais de agir de forma imparcial e eficaz diante de disputas estratégicas entre grandes potências e países considerados periféricos no sistema internacional. O caso do Irã é um exemplo disso: enquanto Israel, que também viola normas do direito internacional em diferentes contextos, enfrenta respostas brandas da ONU, o Irã é submetido a intensas sanções e pressões políticas. Nesse sentido, o próprio Relatório da AIEA intensificou as preocupações internacionais, levando a um olhar desigual das instituições que acordaram em impor sanções ao Irã. Esse tratamento assimétrico revela como as instituições multilaterais acabam refletindo o desequilíbrio de forças do Conselho de Segurança da ONU, onde os membros permanentes exercem poder de veto e influenciam diretamente a agenda internacional.
Além disso, a fragilidade do multilateralismo contemporâneo está associada à própria crise de legitimidade das instituições criadas no pós-Segunda Guerra Mundial. Diante da ascensão de novos polos de poder, como Rússia, China, Índia e até atores regionais como o próprio Irã, o modelo centrado no Ocidente perde capacidade de representar a diversidade de interesses globais. Essa discrepância alimenta narrativas de vitimização e resistência, exploradas por países que se sentem marginalizados pela ordem internacional. Nesse sentido, a crise do multilateralismo não se traduz apenas em ineficiência prática, mas também em perda de credibilidade, abrindo espaço para arranjos paralelos de cooperação — como parcerias bilaterais e regionais — que desafiam a centralidade das instituições universais.
Conclusão
A análise do programa nuclear iraniano demonstra como a questão da segurança internacional não se limita ao cumprimento de normas jurídicas, mas envolve narrativas políticas, disputas de poder e diferentes padrões de legitimidade. Enquanto o Ocidente enxerga no Irã uma ameaça à ordem internacional, o governo iraniano se coloca como vítima de uma política seletiva e assimétrica das grandes potências e das instituições multilaterais. Nesse sentido, o uso da narrativa da resistência, aliado ao fortalecimento de alianças com o “Axis of Resistance” e com parceiros estratégicos como Rússia e China, confere a Teerã novas margens de manobra frente às pressões internacionais.
Portanto, o futuro do programa nuclear iraniano será determinado não apenas pela eficácia das sanções e das fiscalizações internacionais, mas também pelo jogo geopolítico que envolve atores regionais e globais. A crescente militarização da região, somada à fragilidade do multilateralismo e à seletividade das respostas internacionais, reforça a ideia de que a disputa em torno do Irã extrapola a questão nuclear, configurando-se como reflexo das transformações mais amplas da ordem regional e internacional contemporânea.
Referências Bibliográficas
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