A revolta na Geórgia e a instrumentalização das redes
Por Vítor Vieira Branquinho
Introdução
Em fronteira com a Rússia e a Turquia, a localização da Geórgia é um fator de extrema relevância na atual conjuntura (Utiashvili, 2014). Nos últimos anos, as disputas geopolíticas se tornaram mais acentuadas, em especial desde o conflito da Ucrânia e da Rússia, e, sendo um país cotado para aderir à União Europeia, Moscou busca a parceria com a nação. Entretanto, uma parte da população georgiana é fortemente a favor da entrada do país no bloco e procura reforçar as políticas referentes a esse processo (Cantone, 2024).
Em maio de 2024, um projeto de lei, conhecido por Lei dos Agentes Estrangeiros, foi aprovado e trouxe um levante de manifestações civis, sendo enxergado como um retrocesso democrático e uma ameaça à liberdade popular (CNN Brasil, 2024). Os protestos civis foram combatidos pela polícia do país, o que trouxe ainda mais reacionismo à população. Somado a esse problema, em dezembro do mesmo ano, o país adiou mais uma vez a decisão de aderir ou não à União Europeia, o que levou a mais uma onda de protestos. Tal decisão, tomada pelo parlamento georgiano, mostra um maior alinhamento às políticas pró-Rússia e um desencontro com a vontade popular do país, que é a favor da adesão (León, 2024).
No meio desses desafios políticos da política doméstica e externa, a sociedade civil se mantém ativa em suas manifestações, indo às ruas e convocando o povo a se proclamar. O fator que torna esse contexto interessante é a atuação das redes sociais, em especial os vídeos curtos do Instagram e do TikTok, na mobilização desses movimentos. Nos posts, a juventude, em grande maioria pró-União Europeia, mostra a rotina dos protestos, a preparação para as marchas e intima os outros a participarem com eles. Portanto, o intuito dessa análise é entender o embate político que levou às manifestações e a instrumentalização das redes nesses eventos, para poder, enfim, posicionar o contexto na situação geopolítica que se encontra.
O desencontro político
De início, é importante conhecer a lei que desencadeou os protestos e levou à instabilidade da conjuntura atual. Aprovada por cerca de 70% dos parlamentares, a Lei dos Agentes Estrangeiros foi vista como uma controvérsia por grande parte do país (Monin, 2023). Ela consiste em que organizações cujo financiamento vindo do exterior exceda 20% devem se registrar como “agentes de influência estrangeira”, ou serão multados. De modo geral, soa como algo simples, porém a oposição comenta que tal lei foi criada semelhante a uma lei russa, utilizada majoritariamente para controlar as instituições que se abrigam no país. Ao serem colocados como agentes estrangeiros, instituições que atuam de maneira independente do governo e buscam financiamento no exterior terão mais dificuldade de se mobilizar e atuar. Entre elas, organizações não-governamentais, veículos de imprensa, centros acadêmicos e movimentos estudantis poderiam ser enquadrados. A aprovação dessa lei trouxe protestos, visto que a população enxergou que tal medida poderia afastar a adesão do país à União Europeia.
Em 2008, a Geórgia foi invadida pelo exército russo e teve parte de seu território anexado como represália à aproximação ocidental do país. Desde então, criou-se uma repulsa ao proselitismo russo e uma vontade de aproximação ao bloco europeu, o que foi representado pelas políticas da antiga presidente, Salome Zurabishvili. Para isso, em 2016, a Geórgia fez um acordo comercial com a União Europeia de uma área de comércio livre, seguido por uma aplicação para aderir ao bloco em 2022. No entanto, a trajetória que se seguiu ao pedido foi marcada por uma tragédia, já que, devido às medidas adotadas pelo país depois, o “status” em observação foi desfeito e a possibilidade de ser aceito diminuiu.
Essa realidade parece ainda mais distante com outro grande fator que se inseriu como motivo dos protestos: a eleição do novo presidente. Sendo da direita georgiana, alinhado às políticas pró-Rússia, Mikheil Kavelashvili foi escolhido pela assembleia eleitoral, diferindo dos caminhos que o país estava tomando com a antecessora. Kavelashvili traz um discurso distanciado da realidade popular - o que levanta questionamentos sobre a legitimidade da sua escolha - e se afasta da aproximação ocidental (Euronews, 2024). Em meio à diplomacia russa no leste europeu, que procura manter sua influência nos países da fronteira, a Geórgia foi a primeira nação na região a se aproximar de um sistema de democracia operado sob a influência russa (Hedlund, 2025).
Com as políticas do novo presidente, o processo de adesão à União Europeia foi suspenso, o que torna o país mais suscetível às decisões de Moscou (León, 2024). Todo esse desencontro político e popular decorre na fragilidade do país em meio às disputas geopolíticas contemporâneas. A Rússia mantém-se firme no propósito de impedir a aproximação do Ocidente de suas fronteiras, o que pode ser visto, como exemplo, na invasão da Ucrânia em 2022. Dessa maneira, ao possuir um presidente alinhado às suas políticas, a potência está mais próxima de seu objetivo geopolítico.
A revolta e a mídia
Em oposição ao Georgian Dream, partido do presidente eleito, a juventude lidera os protestos, demonstrando um forte desencontro com as recentes decisões políticas relacionadas à aproximação da Rússia e um nacionalismo pró-europeu e contra a corrupção que julga atuar no país. Da aprovação da Lei dos Agentes Estrangeiros até a eleição de Kavelashvili, os jovens do país se colocaram constantemente nas ruas. Isso continuou com a decisão de suspender a adesão do país na UE, levando a mais uma série de manifestações. Desde o início, essas manifestações têm sido enfrentadas com repressão policial e uso de força, ampliando o descontentamento com o governo. Nesta última, mais de 200 manifestantes foram detidos e outros 100 foram tratados por ferimentos (Euronews, 2024).
Algo de diferencial nessas revoltas é a atuação das redes sociais. A Geórgia conta com uma juventude engajada com elas e que é capacitada a organizar manifestações para conseguir seus objetivos (Tsomaia et al., 2020). Um exemplo é o caso da manifestação “The Rappers’”, em 2017, no qual dois cantores foram presos por postarem vídeos em conflito com policiais. Foram realizadas várias manifestações, em maioria estruturadas por meio das redes sociais, e o objetivo final de soltar os prisioneiros foi alcançado. Tsomaia et al. (2020) mostra o engajamento dessa parcela da população como um fator diferencial nas conquistas políticas populares do país.
Outro exemplo está presente no suporte aos ucranianos durante a invasão russa. Skiert e Skiert-Andrzejuk (2023) mostram a mobilização dos jovens georgianos na redes sociais em apoio à atividades sociais e políticas que beneficiariam a população ucraniana. Em meio ao que os autores colocaram como a “falta da democratização na Geórgia”, a juventude, ainda assim, posiciona-se com uma proatividade ao desejo de mudança e melhora da sociedade local, o que é externalizado ao seu apoio às necessidades do país próximo.
Max Abrahams diz que desde a invasão na Ucrânia, o aplicativo vem sendo utilizado como uma ferramenta de guerra, mostrando em tempo real, aquilo que ocorre nos conflitos (Gaglioni, 2022). E não é diferente no caso da Geórgia. Foram feitos vários vídeos de jovens se arrumando para irem às manifestações, colocando as roupas típicas das revoltas, músicas famosas e convidando mais jovens para irem com eles. Esse fenômeno impulsiona o alcance das revoltas e exporta a ideia ao redor do globo, tornando explícito ao público global o que estava acontecendo no país (Tufecki, 2017). Por esse ponto de vista, foi possível mostrar a rebelião popular e a retaliação policial.
Considerações finais
Logo, as disputas geopolíticas na região do Cáucaso, tendo em vista a possível entrada da Geórgia na União Europeia, foram seguidas de diversas ondas de manifestações. O país é dividido entre um povo que busca a aproximação ao Ocidente e a segurança do bloco europeu ante à influência russa e um governo que se alinha à política moscovita e retarda a entrada na união. Talvez mais do que um interesse popular ou governamental, enxerga-se o protecionismo russo da aproximação ocidental.
Por sua vez, o fenômeno das redes mostra como as guerras atuais terão mais um fator a ser considerado, inclusive no aspecto midiático. As redes sociais de vídeos curtos denotam uma realidade de informação rápida, acessível e comovente, levando os usuários a imergirem na situação. Na Geórgia, em específico, isso levou as revoltas ao conhecimento externo e as controvérsias políticas a um embate cultural. Os jovens conseguiram aumentar suas intentes por meio das redes e atraíram mais para as marchas.
Em suma, o contexto georgiano é um exemplo de um embate da sociedade civil com a burocracia estatal, permeado por um experimento digital que dinamiza as consequências dessa disputa. Enquanto é conhecida a vontade popular de adesão ao bloco europeu, a política pró-Rússia é retalhada pelas mobilizações da juventude organizadas e propagandeadas pelas redes sociais. Se o desejo popular será atendido nos próximos meses é desconhecido, contudo, o fato é que o comportamento dos jovens da Geórgia, ampliado pela mídia digital, permanecerá atuando a favor dos interesses do povo e contra aquilo que eles consideram prejudicial ao país.
Referências
CANTONE, Sergio. A Geórgia pode mudar a sua sorte na UE, diz a presidente Zourabichvili à Euronews. Euronews, 4 out. 2024. Disponível em: https://pt.euronews.com/my-europe/2024/10/04/a-georgia-pode-mudar-a-sua-sorte-na-ue-diz-a-presidente-zourabichvili-a-euronews. Acesso em: 4 jun. 2025.
ENTENDA o polêmico projeto de lei na Geórgia que gerou uma onda de protestos. CNN Brasil, 13 maio 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-o-polemico-projeto-de-lei-na-georgia-que-gerou-uma-onda-de-protestos/. Acesso em: 4 jun. 2025.
GAGLIONI, Cesar. Como o TikTok se tornou uma janela para a guerra. Nexo Jornal, 10 mar. 2022. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/03/10/como-o-tiktok-se-tornou-uma-janela-para-a-guerra. Acesso em: 4 jun. 2025.
HEDLUND, Stefan. Georgia’s trajectory: from revolution to Russian influence. GIS Reports, 2 jan. 2025. Disponível em: https://www.gisreportsonline.com/r/georgias-trajectory/. Acesso em: 4 jun. 2025.
LEÓN, Lucas Pordeus. Protestos na Geórgia repetem roteiro da crise entre Ucrânia e Rússia. Agência Brasil, 12 dez. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-12/protestos-na-georgia-repetem-roteiro-da-crise-entre-ucrania-e-russia. Acesso em: 4 jun. 2025.
MONIN, Serguei. ‘Cabo de guerra’ entre Rússia e Ocidente: entenda o que está por trás da crise na Geórgia. Brasil de Fato, 15 mar. 2023. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2023/03/15/cabo-de-guerra-entre-russia-e-ocidente-entenda-o-que-esta-por-tras-da-crise-na-georgia/. Acesso em: 4 jun. 2025.
PROTESTOS na Geórgia contra a suspensão das conversações de adesão à UE entram na segunda semana. Euronews, 6 dez. 2024. Disponível em: https://pt.euronews.com/my-europe/2024/12/06/protestos-na-georgia-contra-a-suspensao-das-conversacoes-de-adesao-a-ue-entram-na-segunda-. Acesso em: 4 jun. 2025.
SKIERT, Małgorzata; SKIERT-ANDRZEJUK, Katarzyna. The use of social media by young georgians in social and political activities to support Ukraine. Polish Journal of Political Science. Warsaw, 2023, v. 9, n. 2.
TSOMAIA, Tinatin et al. Strategic Communications Laboratory Georgia. Tbilisi: Setembro, 2020. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/384396310_Youth_mobilization_in_Georgia_Engaging_traditional_and_social_media_channels_In_StratComLabVol12021. Acesso em: 4 jun. 2025.
UTIASHVILI, Tamta. Why is a small state like Georgia important for the USA, the EU and Russia? E-International Relations, 4 jun. 2014. Disponível em: https://www.e-ir.info/2014/06/04/why-is-a-small-state-like-georgia-important-for-the-usa-the-eu-and-russia/. Acesso em: 4 jun. 2025.