por Marco Octávio de Meneses
Desde o esfacelamento da URSS em 1991, especialistas de Relações Internacionais debatem os rumos do poder russo. Alguns apontavam para estagnação ou desenvolvimento, olhando para o crescimento do PIB, manutenção da posição relativa da Rússia em termos de capacidades militares (NABI, 2018). Outros, para o declínio, olhando para a pirâmide etária, a taxa de natalidade, a sofisticação tecnológica das forças armadas entre outros fatores (BERLS Jr., 2021). Nesse debate, meu argumento é o seguinte: a invasão da Ucrânia pela Rússia no início do ano, e as sanções econômicas dos EUA e União Europeia revelam o inevitável declínio russo. Em seguida, colocarei possíveis consequências desse declínio, nomeadamente: impactos para a União Europeia, a China e os Estados Unidos.
Será necessário definir como conceber o poder, a percepção das capacidades russas antes da guerra, como a invasão e as sanções alteram isso e discorrer sobre a interdependência complexa para organizar o pensamento sobre o assunto.
Definições Iniciais
Apesar de ser um conceito central das Relações Internacionais, há discordância sobre qual seria a melhor maneira de definir o poder. Para fins desse texto, poder se refere aos meios ou capacidades que um Estado dispõe para cumprir seus objetivos políticos e militares. Isso será útil para separar cumprimento dos objetivos de meios necessários para cumprir, distinção necessária quando olharmos para o atual conflito entre Rússia e Ucrânia. Variáveis como o tamanho da população, o desenvolvimento tecnológico e a geração de riqueza são fundamentais para essa medição (MEARSHEIMER, 2014, p.55 e 58).
Potência em Declínio
Por se tratar de um dos atores mais relevantes nas relações internacionais, a Rússia recebe a atenção de especialistas curiosos em descobrir as tendências de seu poder. Em termos econômicos, o país gozou de taxas de crescimento positivas do PIB, principalmente depois de 1999, sendo 2009, 2015 e 2020 anos de retração (WORLDBANK, 2022). Também devemos considerar a dependência da economia russa na exportação de commodities, como minério de ferro, petróleo e gás natural, isso porque a causa do crescimento se encontra no boom das commodities (REUTERS, 2008), não num processo de diversificação da economia. Outro fator a ser considerado é o tamanho da população economicamente ativa, e que tende à redução (WOLDBANK, 2022). Instituições econômicas russas não são conducentes ao crescimento, uma vez que investidores internos já sentiam receio em investir no país devido à imprevisibilidade das normas e parcialidade do judiciário, faltavam incentivos/estímulos para a economia, há muita corrupção e tudo isso sem contar as sanções aplicadas em resposta à anexação da Crimeia em 2014 (BERLS Jr., 2021).
Em termos militares, medições utilizando o Revised Geometric Index of Traditional National Capabilities (RGITNC) indicam perda de 1% relativa de capacidades russas frente ao mundo, mas ganhos relativos quando comparada ao o ocidente (NABI, 2018, p.41). Outro fator indispensável é o arsenal nuclear, o país ainda conta com 5977 ogivas nucleares (FAS, 2022), com efeito, se trata de um bastião do poderio russo. Com uma economia extremamente dependente de exportações, era o componente militar que dava à Rússia o status de potência no mundo.
Mas a atual invasão da Ucrânia oferece bons motivos para duvidar das capacidades russas. Vladimir Putin tinha, há muito tempo, estabelecido o objetivo de evitar a expansão da OTAN para a região da ex-URSS, percebendo a aliança militar como uma ameaça e rejeitando a ordem Euro-Atlântica de segurança (RUMER, 2016). Sendo essa percepção bem fundamentada ou não, pouco importa para esse argumento. Importa, sim, a incapacidade da Rússia de subjugar um Estado significativamente mais fraco, as forças armadas ucranianas não dispunham de tanto investimento (SIPRI, 2022), artilharia, aeronaves modernas, divisões armadas ou reservistas (CNN, 2022) . Apesar do apoio indispensável de aliados ocidentais, as dúvidas sobre a capacidade dos ucranianos de repelir seus invasores foi questionada desde o princípio, e o fato de terem aguentado até o momento mostra a falta de organização e o nível de defasagem do exército russo (THE …, 2022a). Naturalmente, a invasão não vai contribuir para a melhora das capacidades russas, mesmo com os gastos cada vez maiores do governo Putin.
Mudanças com a Guerra e perspectivas para o futuro
Além das diversas formas de apoio à Ucrânia, como inteligência, auxílio humanitário, fornecimento de armas e apoio político em organizações, uma bateria de sanções foi aplicada à Rússia por importantes atores do ocidente: EUA, União Europeia, Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Japão. Longe de ter aderência global, as sanções foram desenhadas para causar o máximo de estrago na economia russa até os custos para as economias interdependentes serem altos demais. Como já foi apontado, isso não acabou com a guerra, impôs sofrimento para a população russa que não é responsável pelo conflito, e fortaleceu a base de apoio à administração Putin. (STATISTA, 2022) Mas cumpriram o objetivo de levar a economia russa ao desmoronamento, acabando com seu acesso a importados fundamentais, mercados de capital, principais destinos de exportação, chegando a perder sua posição como exportador de commodities (SONNENFEELD et al. 2022, p. 3 e 4).
Enquanto a guerra continuar, não há motivos para crer, baseado no exposto, que as variáveis de poder da Rússia voltem a crescer. Encontrar um novo destino para as exportações é uma impossibilidade, as firmas e bancos russos sofrem sanções e mais de 1000 empresas não-nativas fecharam as operações no país, (ibid.) o governo segue com gastos militares exorbitantemente altos (SONNENFLED, 2022, p.61) enquanto a guerra não tem previsão de terminar. Nem um dos lados está disposto a compromissos, ambos mantêm posições claras sobre os termos da paz. Assim, vale a pena explorar as possíveis consequências do inevitável declínio, e como será o desenrolar do processo.
Para iniciar esse exercício, utilizarei ferramentas conceituais fornecidas pela teoria da interdependência complexa, desenvolvida por Keohane e Nye (1977). Os autores argumentam que a política internacional cada vez mais é caracterizada por múltiplas situações de dependência mútua. A Rússia, por exemplo, é dependente de capitais oriundos da exportação de gás natural para a Europa, e a Alemanha, dependente do gás russo. Esse exemplo é útil para ilustrar outros dois conceitos: sensibilidade e vulnerabilidade. O primeiro se refere ao efeito, num país A, da alteração de comportamento de um país B, sem que A mude sua política. Já o segundo se refere aos custos da mudança de política de A (KEOHANE e NYE, 1977, p. 10 e 11).
Tendo isso em mente, os achados de Sonnenfeld et al. mostram que os custos de Estados europeus alterarem suas políticas energéticas é menor do que os custos incorridos pela Rússia em dar um novo destino aos seus exportados (2022, p20). Nessa busca por novos destinos de exportação, a ex-potência soviética tenta uma aproximação maior com a China, embora não consiga exportar todo o seu gás, localizado na parte ocidental do país sem maneira eficiente de transporte. Frente à reação concertada de uma OTAN rejuvenescida, Xi Jinping certamente não se beneficiaria de uma derrota russa, visto que perderia um importante aliado no desafio ao Oeste, ilustrado pela criação da Global Security Initiative (GSI) (THE DIPLOMAT, 2022), seu desafio será navegar uma parceria com uma Rússia decadente, sem despertar uma reação econômica do ocidente.
Não vale a pena cogitar um cenário de queda do governo Putin no atual momento, a invasão fortaleceu seu índice de aprovação (STATISTA, 2022) e como não há um término em vista para o conflito, Rússia sem Putin dificilmente ocorrerá no futuro próximo. Assim, no outro lado da troca comercial, os europeus se organizam para combater uma onda de inflação agravada pela questão energética. Com menos combustíveis fósseis para queimar, a busca por renováveis se intensifica. Isso pode levar ao surgimento de novos países exportadores de commodities, mas daqueles necessários para gerar energia limpa em escala, tais como Lítio, Cobalto, Cobre, Zinco, etc. (THE ..., 2022b). A insegurança energética será um problema para o continente, na medida que diversifica fontes, mas a opção de diversificação existe para os europeus, e não para os russos.
Surge também a negociação com líderes autocráticos, como ilustrado pela visita de Biden à Arábia Saudita no mês de julho (WHITEHOUSE, 2022). Situações como essa se tornarão mais frequentes, dada a falta de alternativas de fornecimento de petróleo em escala.
Em suma, Putin está inserido no declínio da Rússia como potência, não conseguindo articular as decrescentes capacidades econômicas e militares num exército poderoso o suficiente para derrotar um inimigo incomparavelmente mais fraco. Esse enfraquecimento pode repercutir em dificuldades de contestação do ocidente por parte da China, aceleração do desenvolvimento de fontes de energia limpas na Europa, ao mesmo tempo que força negociações com líderes não democráticos.
Referências:
BERLS Jr., Robert E. The State of the Russian Economy: Balancing Political and Economic Priorities. NTI. Jul de 2021. Disponível em: https://www.nti.org/analysis/articles/state-russian-economy-balancing-political-and-economic-priorities/. Acesso em 03 de ago. de 2022
DO you approve of the activities of Vladmir Putin as president (PRIME MINISTER) of Russia? Statista, 14 de jul. de 2022. Disponível em: https://www.statista.com/statistics/896181/putin-approval-rating-russia/. Acesso em 04 de ago de 2022.
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MEARSHEIMER, John J. The Tragedy of Great Power Politics. Norton & Company, Nova Iorque, 2014.
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