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Análise Quinzenal
PET-REL

por  Vinícius Nunes Aguiar

 

No dia 18 de julho de 2022, o presidente Jair Bolsonaro recebeu cerca de 40 embaixadores e representantes estrangeiros, em uma reunião organizada pelos militares do governo, para propagar suas suspeitas infundadas sobre a segurança do processo eleitoral brasileiro. Tal reunião pode ser considerada uma resposta à sessão informativa realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no dia 31 de maio do mesmo ano, na qual 68 embaixadores foram convidados para uma apresentação sobre o sistema eletrônico de votação brasileiro.

 

Durante o discurso, Bolsonaro voltou a dizer que não concorda com a presença de observadores estrangeiros na eleição, apresentou aos embaixadores um inquérito feito pela Polícia Federal em 2018, que verificou uma invasão aos sistemas do TSE, que comprovadamente não afetou a integridade das eleições. Além disso, atacou o presidente do TSE, Edson Fachin, e os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, insinuando que tais ministros seriam parciais ao longo do processo. Afirmou aos embaixadores, ainda, sobre a existência de aproximadamente cem vídeos de apoiadores que supostamente tentaram votar "17", número utilizado por Bolsonaro nas últimas eleições, e foram impedidos pelas urnas eletrônicas, também comprovadamente falsas.

 

Se o encontro, sem precedentes no histórico da diplomacia brasileira, tinha um objetivo além de movimentar as bases mais fanáticas do bolsonarismo, ou seja, de realmente convencer a comunidade internacional da falta de segurança das urnas eletrônicas, falhou. A embaixada dos Estados Unidos manifestou o seu apoio às eleições brasileiras no dia 19 de julho, ao afirmar que são “um modelo para o mundo” (BALAGO,2022). A embaixada do Reino Unido comunicou que “acredita na força da democracia do Brasil, que conta com instituições sólidas e transparentes”. Uma embaixada da Europa se demonstrou preocupada, e em um documento interno, analisa que as declarações do presidente são perigosas e indicam ações imprevisíveis.(ARBEX, 2022). O embaixador da Suíça em Brasília também manifestou o apoio às instituições brasileiras em um post nas suas redes sociais (FRAZÃO, 2022).

 

Internamente, a presença do Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, no encontro foi criticada em conversas reservadas (COLETTA, 2022), que questionaram a imagem que o chanceler tenta projetar: a de alguém que tenta normalizar o Ministério após as ideologias de Ernesto Araújo, Embaixador que havia ocupado o cargo anteriormente. França, porém, não conseguiu preservar a diplomacia brasileira de uma agenda danosa aos interesses nacionais e a palestra internacionalizou uma crise doméstica; estabelecendo um precedente para outro temor: o de que Bolsonaro utilize o encontro anual da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em setembro, para novos ataques antidemocráticos. A Associação dos Diplomatas Brasileiros divulgou uma nota em que manifesta plena confiança na Justiça Eleitoral (COLETTA,2022).

 

Conexões norte-americanas 

 

O encontro no Palácio da Alvorada não foi a única tentativa bolsonarista de projetar as eleições internacionalmente. Em 9 de junho de 2022, segundo a agência de notícias Bloomberg, Bolsonaro teria pedido ajuda de Biden em sua reeleição contra Lula em uma reunião privada durante a Cúpula das Américas, referindo-se a ele como “esquerdista radical” e “contrário aos interesses americanos”. O presidente estadunidense rapidamente mudou de assunto. (MARTIN, 2022).  Bolsonaro negou que tenha feito o pedido, mas a Casa Branca e o Conselho de Segurança Nacional dos EUA evitaram desmentir ou confirmar o divulgado pela reportagem, e um porta-voz do Departamento de Estado norte-americano reafirmou a confiança dos Estados Unidos nas instituições democráticas brasileiras (SANCHES, 2022).

 

No dia 29 de junho de 2022, Bolsonaro deu uma entrevista a Tucker Carlson, apresentador estadunidense, para seu programa transmitido na Fox News, emissora propagadora de discursos conservadores. Seu programa é um dos mais assistidos da TV a cabo norte-americana (JOYELLA, 2021). Estando entre os principais expoentes do trumpismo, Tucker Carlson é, segundo a revista Times, “um dos conservadores mais poderosos da América" (ALTER, 2021), e utiliza suas plataformas para divulgar teorias conspiratórias como o globalismo, a negação das mudanças climáticas e a teoria racista da "Grande Substituição". Durante os 30 minutos de entrevista, seus habituais assuntos deram espaço para uma entrevista com nosso Presidente da República.

 

Em meio aos absurdos rotineiros, Bolsonaro enfatizou as consequências internacionais das eleições brasileiras, ao dizer que: “Nós somos o que você pode descrever como a cereja do bolo. Se o Brasil cair ou desmoronar, toda a América do Sul cairá e ficará vermelha.” Tucker Carlson concordou: “O Brasil tem o último governo pró-americano da América Latina, e é o nosso aliado mais importante do hemisfério ocidental. Permitir que o Brasil se torne uma colônia da China seria um golpe enorme para nós e potencialmente uma ameaça militar muito séria ” (CARLSON, 2022).

 

Entretanto, a capacidade do Presidente da República em influenciar a direita conservadora dos Estados Unidos é limitada, pois as conexões entre o bolsonarismo e o trumpismo já foram mais fortes. Isso porque as lideranças que antes faziam estes contatos encontram-se enfraquecidas,como é o caso de uma das figuras centrais dessa rede ideológica: Steve Bannon.

 

Bannon chefiou a campanha presidencial de Trump em 2016 e, com sua eleição, em 2017, tornou-se Conselheiro do Presidente e Estrategista-Chefe da Casa Branca. Após as marchas neonazistas de Charlottesville, no estado da Virgínia nos EUA, quando grupos de extrema direita feriram ao menos 49 pessoas, Steve Bannon foi retirado do cargo. Bannon teria construído o discurso de Trump em que o ex-presidente defendeu as ações dos supremacistas (HABERMAN; THRUSH, 2017). Em agosto de 2018, às vésperas da campanha presidencial brasileira, Eduardo Bolsonaro conheceu o estrategista pessoalmente, que se colocou à disposição para ajudar o clã eleitoralmente (PIRES, 2020). 

 

As técnicas utilizadas por Bannon - como a difamação de políticos democratas e a difusão de teorias sobre uma suposta conspiração global de esquerda - influenciaram diretamente as postagens da direita brasileira. Além de Eduardo, a interlocução com o assessor político norte-americano era prioridade do ex-chanceler Ernesto Araújo e da ala “olavista” do governo. Em março, o norte-americano se encontrou com Jair Bolsonaro em um jantar na embaixada do Brasil nos EUA (PIRES, 2020). Ele se sentou à esquerda do presidente. À direita estava Olavo de Carvalho. Em setembro de 2019, Bannon contribuiu para a elaboração do discurso de Bolsonaro na ONU, com a intermediação de Ernesto Araújo (ERNESTO..., 2019).

 

Atualmente, Bannon tem assuntos mais urgentes a se preocupar do que a eleição brasileira. Em 22 de julho de 2022, ele foi considerado culpado em duas acusações de desacato ao Congresso, por não cooperar com o comitê parlamentar que investiga a invasão ao Capitólio provocada por Donald Trump. (A CONDENAÇÃO..., 2022). A saída de Ernesto Araújo do Itamaraty também enfraqueceu a chamada “agenda ideológica”. Após seu desligamento, o ex-chanceler vem criticando posturas da política externa brasileira, como as posições em relação à guerra da Ucrânia. Também criticou o fisiologismo do governo com o Centrão, que, de acordo com ele, representa os interesses chineses (PORTELA, 2022). Seu mentor, Olavo, também já demonstrava seu afastamento do governo Bolsonaro antes de morrer (OLAVO..., 2022).

 

No momento, a direita norte-americana concentra grande parte de sua atenção na já citada Comissão de Investigação do Congresso, que busca reunir cada vez mais provas significativas contra o ex-presidente Trump, na esperança que a ação desemboque em um processo judicial realizado pelo Departamento de Justiça dos EUA. A próxima série de audiências está agendada para setembro, apenas dois meses antes das importantes eleições de meio mandato, que determinarão o controle do Congresso. (TRUMP..., 2022).

 

Conclusões

 

Apesar das tentativas, os planos golpistas de Bolsonaro não parecem encontrar o mesmo apoio imperialista que ajudou a consolidar a ditadura empresarial-militar brasileira de 64, quando o governo americano forneceu armas aos grupos contrários a João Goulart, para que, segundo as palavras do embaixador estadunidense da época, Lincoln Gordon, o “Brasil não se tornasse a China dos anos 60” (STUSTER,2013). Porém, há de se questionar se a falta de apoio internacional é um fator que realmente limita a realização e sustentação de uma ruptura institucional, como demonstrado pelos recentes golpes militares em Mianmar, Mali, Guiné, Burquina Fasso e Sudão, o que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, classificou como uma “epidemia de golpes” (NICHOLS, 2021).

 

No dia 12 de julho de 2022, John Bolton, Embaixador nas Nações Unidas de George Bush durante a guerra do Iraque e ex-Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, tentou defender o ex-líder do poder executivo das acusações de que havia tentado instaurar um golpe para se manter no poder: “Como alguém que ajudou a planejar golpes de Estado, não aqui, mas em outros lugares, demanda muito trabalho” (STIEB, 2022). Esperemos que sim.

 

 

 

Referências:

 

A CONDENAÇÃO de Bannon é um constrangimento para Bolsonaro. Veja, [S.I.], 24 jul 2022. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/a-condenacao-de-bannon-e-um-constrangimento-para-bolsonaro/ Acesso em: 22 jul. 2022.

ALTER, Charlotte. Talking With Tucker Carlson, the Most Powerful Conservative in America. Time, [S.I.], 15 jul. 2021. Disponível em: https://time.com/6080432/tucker-carlson-profile. Acesso em: 22 jul. 2022.

ARBEX, Thais. Relatório de embaixada diz que declarações de Bolsonaro “indicam ações imprevisíveis”. BBC  [S.I.], 20 jul. 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/relatorio-de-embaixada-diz-que-declaracoes-de-bolsonaro-indicam-acoes-imprevisiveis/?utm_source=social&utm_medium=twitter-feed&utm_campaign=politica-cnn-brasil&utm_content=link. Acesso em: 22 jul. 2022.

BALAGO, Rafael. Porta-voz dos EUA reafirma confiança nas urnas do Brasil e fala em modelo mundial. Folha de São Paulo, [S.I.], 21 jul. 2022. Disponível em: https://12ft.io/proxy?ref=&q=https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/porta-voz-dos-eua-reafirma-confianca-nas-urnas-do-brasil-e-fala-em-modelo-mundial.shtml. Acesso em: 22 jul. 2022.

CARLSON, Tucker. Tucker Carlson: Allowing Brazil to become a colony of China would be a significant blow to us. Fox News, [S.I.], 30 jun. 2022. Disponível em: https://www.foxnews.com/opinion/tucker-carlson-allowing-brazil-become-a-colony-of-china-significant-blow. Acesso em: 22 jul. 2022.

COLETTA, Ricardo. Bolsonaro consolida enfraquecimento do Itamaraty com mentiras a embaixadores. Folha de São Paulo, [S.I.], 23 jul. 2022. Disponível em: https://12ft.io/proxy?q=https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/07/bolsonaro-consolida-enfraquecimento-do-itamaraty-com-mentiras-a-embaixadores.shtml. Acesso em: 22 jul. 2022.  

ERNESTO Araújo trata com Steve Bannon sobre discurso de Bolsonaro na ONU. Veja, [S.I.], 13 set. 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/ernesto-araujo-trata-com-steve-bannon-sobre-discurso-de-bolsonaro-na-onu/. Acesso em: 22 jul. 2022.

FRAZÃO, Felipe Embaixadores dizem que reunião com Bolsonaro 'não mudou nossa visão' e foi 'campanha eleitoral'. UOL, [S.I.], 18 jul. 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/07/18/embaixadores-bolsonaro-fez-campanha-sem-mudar-impressao-sobre-seguranca-de-urnas.htm. Acesso em: 22 jul. 2022.

HABERMAN, Maggie. THRUSH, Glenn. Bannon in Limbo as Trump Faces Growing Calls for the Strategist’s Ouster. The New York Times, [S.I.], 14 ago. 2017. Disponível em: https://www.nytimes.com/2017/08/14/us/politics/steve-bannon-trump-whitehouse.html. Acesso em: 22 jul. 2022.

JOYELLA, Mark. Tucker Carlson Leads Fox News To May Cable News Ratings Victory. Forbes, [S.I.], 2 jun. 2021. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/markjoyella/2021/06/02/tucker-carlson-leads-fox-news-to-may-cable-news-ratings-victory/?sh=82f7a4e79fcf. Acesso em: 22 jul. 2022.

NICHOLS, Michelle. 'An epidemic' of coups, U.N. chief laments, urging Security Council to act. Reuters, [S.I.], 26 out. 2021. Disponível em:https://www.reuters.com/world/an-epidemic-coups-un-chief-laments-urging-security-council-act-2021-10-26/ Acesso em: 22 jul. 2022.

OLAVO de Carvalho externou críticas a Bolsonaro antes de morrer. O Estado de São Paulo, [S.I.], 26 jan. 2022. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,olavo-carvalho-critica-bolsonaro-antes-morrer-covid,70003961113.  Acesso em: 22 jul. 2022.

PIRES, Breiller. Os laços do clã Bolsonaro com Steve Bannon. El País, São Paulo, 20 ago. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-20/os-lacos-do-cla-bolsonaro-com-steve-bannon.html Acesso em: 22 jul. 2022.

PORTELA, Michelle. Ernesto Araújo diz que 'Centrão' representa interesses da China. Correio Brasiliense, [S.I.], 24 abr. 2022. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/04/5002911-ernesto-araujo-diz-que-centrao-representa-interesses-da-china.html. Acesso em: 22 jul. 2022.

SANCHES, Mariana.Após encontro de Bolsonaro e Biden, Casa Branca diz esperar que 'candidatos respeitem resultado de eleição no Brasil'. BBC, [S.I.], 15 jun 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61818563. Acesso em: 22 jul. 2022.

STIEB, Matt. John Bolton Admitted on National TV That He Helped Plan Coups. New York Magazine, [S.I.], 12 jul. 2022. Disponível em: https://12ft.io/proxy?q=https://nymag.com/intelligencer/2022/07/john-bolton-says-on-national-tv-that-he-helped-plan-coups.html. Acesso em: 22 jul. 2022.

STUSTER, Dana. Mapped: The 7 Governments the U.S. Has Overthrown. Foreign Policy, [S.I.], 20 ago. 2013. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2013/08/20/mapped-the-7-governments-the-u-s-has-overthrown/. Acesso em: 22 jul. 2022.

TRUMP será levado à Justiça pela invasão do Capitólio? Deutsche Welle, [S.I.], 25 jul. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/07/25/trump-sera-levado-a-justica-pela-invasao-do-capitolio.ghtml Acesso em: 25 jul. 2022.